Um dia perguntei-lhe Sabes onde é? Sabes como é o Cubal? Não me respondeu, mas Pegou numa folha de papel E desenhou. A verde, uns rabiscos de sisal Com um lápis preto traçou o rio Juro que vi os jacarés ao sol E meninos tremendo de frio Com o mesmo lápis traçou ao lado Uma enorme serpente de ferro Perdendo-se lá longe na mata Dissolvida num cacimbo nublado. Com todas as cores que arranjou Desenhou o casario E as acácias em flor. A castanho fez uma estrada para norte E um pouco à frente, a azul Desenhou um pontinho A medo, perguntei um pouco à sorte Isso parece-me a lagoa. Claro que é, não há lagoas a sul. Voltou atrás e desenhou outra estrada E, um pouco à frente Numa curva desenhou umas “alminhas” E logo depois Fez uma casa que parecia abandonada Nas árvores em redor, pôs levemente Muitos bicos de lacre e zonguinhas A toda a volta do desenho continuou A rabiscar verde de vários tons Disse-me São as matas da tua infância Onde tantas vezes te perdeste e Encontraste. Não me ia esquecer, sabes como sou. Não vês os catuites e as rolas? E aquela cabra de leque pastando? Espera, ainda falta qualquer coisa E desenhou a azul muito escuro Nuvens densas e uma chuva bravia Desculpa, mas não consigo desenhar O cheiro doce que a terra trazia. Esse, vais ter que ser tu a imaginar. Como é possível, ver esse Cubal Sem nunca lá teres estado? Enganas-te Toda a vida vivi rodeada de sisal Conheci cada palmo nas tuas histórias Sei de todos, todos os teus amigos E todos eles vivem como tu Enredados nas mesmas memórias.
Henrique Faria
O MEU PAÍS
Dentro da minha cabeça Tenho uma caixa de lápis de cor Com que pinto os sonhos. Neste Pego no lápis castanho escuro E pinto duas muanhas altivas Que passavam perto de mim. Dou-lhes mais um pequeno toque Para que se veja o andar Que só as gentes do sul têm E que nós tão bem conhecemos E para podermos ouvir Os chocalhos amarrados na canela. Peguei nos verdes, ah os verdes E tive que usar todos os tons Para pintar as matas densas Passei levemente por cima O lápis cinzento Como esquecer-me dos cacimbos Que tantas vezes me arrepiaram a pele? Lá ao longe dois morros de basalto Cortam o horizonte da savana Pinto-os com o lápis preto. Com o lápis amarelo dourado Pinto a imensa anhara Onde tantas vezes me perdi E me encontrei. No meu sonho tinha chovido Uma chuva bravia, poderosa Desenhando alinhavos no pano da tarde E cheirava intensamente Aquele cheiro da terra depois da chuva Não o pintei, não consegui Afinal De que cor se pinta o cio da terra? Com o lápis vermelho Pintei o sol enorme de fim de tarde E vi no mar Aquele imenso rasto de sangue Por fim, com o lápis azul Sempre o lápis azul Coloquei no canto direito A minha assinatura Esperando, ansiando Que gostem deste sonho. Não o vendo, apenas o ofereço Afinal, Que preço pode ter um país?
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